quarta-feira, 3 de setembro de 2008

Dança de uma vida



Há histórias com imenso significado, que moram nas pessoas como as pessoas moram nos lugares que lhes pertencem, vivem algures na memória de cada um, como tudo o que de bom e mau nos preenche o passado. Gosto essencialmente dessas, das boas histórias, que apesar de ouvir e ter ouvido, vezes sem conta, continuo a admirar. Comparo-as aos bons filmes que guardo na gaveta dos DVD's e vou buscar quando sinto saudade, continuo a saber as falas de cor, choro no momento da tragédia, rio com a personagem cómica e deleito-me com a frase chave, que funciona sempre como moral da história.
Os serões de relaxe têm sempre pano para mangas...então quando a mãe está por perto, a conversa dura horas a fio. Pensei pergunta-lhe como é que ela conheceu o pai (certo é que já estava farta de o saber, mas insisto nos pormenores), logo lhe vejo um sorriso tão expressivo, como se estivesse a falar da nova paixão da adolescência. Começou por falar-me do baile, o tal baile...estava ela no canto do salão, tocava Sinatra (se não lhe falha a memória), diz que o avistou por entre a multidão de jaquetões e vestidos rodados. Primeiro surgiu o rei dos bailes, daqueles que têm um nome característico, o típico engatatão que não falha uma, surpresa das surpresas...ela recusou a dança. Aí o pai perdeu metade da esperança, ele era o próximo a tentar a sorte, mas visto que nem o supra sumo tinha vingado, foi ter com ela meio a medo, pediu-lhe com todo o jeitinho e cortesia o que ela tanto queria que acontecesse. Num ápice tinham caído nos braços um do outro, a mãe diz que se lembra do que ele trazia vestido e diz também que cheirava a limão, um travo que lhe acentava que nem uma luva, lembra-se de pensar que tinha de saber mais sobre ele, que tinha de voltar a estar com ele. Segundo a mãe conta, o pai era desajeitado, mas aquela dança ela não esquece, refere-a como a dança de uma vida.
Do baile, aos encontros no café do costume tornaram-se um habitué...
O pai entra na sala quando estávamos a falar do primeiro beijo, que foi custoso, segundo consta...a mãe era convencional e o pai tímido e mais, os tempos eram outros, o carrossel era vagaroso, mas sabia a tanto de cada volta que dava...
Adorei ver a expressão do pai passados 25 anos, sorriu como uma criança a reviver a velha infância e correu a beijar a mãe, não tardou que me falassem na opinião deles sobre isso tudo,depois, das teimosias da avó em deixar a mãe sair de casa, dos amigos boémios, das voltas no carro de museu e até de quem casou com quem e das festas em casa dos velhos amigos. Senti-me à parte, deixo-os a recordar os bons velhos tempos e encosto a porta da sala com cuidado para que não se apercebam da minha ausência.
Ficam a opinar sobre o destino, ainda ouço a mãe dizer ao pai como o destino é certeiro e o pai remete-lhe um " é verdade amor...é verdade", depois confidencia-lhe como ela estava bonita de vestidinho floral.

Fui ler um bocado, mas parei para reflectir, cair sob a minha felicidade em saber que ainda existem romances como nos filmes e nos livros do nicholas sparks, parece que existem sempre boas recordações e sentimentos que são inabaláveis e só se fortalecem com o passar do tempo.
É verdade que hoje em dia o amor puro é raro, dá-se um "amo-te", como quem dá um elogio forçado. E o simples é tão mais bonito que o exagero, que se obtém com a maior das facilidades...
Tudo o que implica esforços e é conseguido aos poucos tem sempre mais valor.
Recentemente, Domingos Amaral diz que "Já ninguém morre de amor", pode até ser verdade, mas não é essa a minha opinião, continuo a acreditar que algures por aí alguém está a viver um romance que vai durar uma vida, pode ter as suas desavenças, pode ir e voltar, pode até nunca mais voltar e seguir em frente, mas existiu. Essa existência é inapagável. Todos nós morremos de amor, nem que seja uma vez na vida, cometemos as maiores loucuras, extasiamos com facilidade e acordamos e adormecemos com esse alguém no pensamento.
É bonito e recomenda-se.
A mãe é prática, o pai é um romântico desajeitado, mas quando os vejo juntos a recordar uma vida, são um só. Orgulho-me deles, como não poderia deixar de ser.
São felizes ao jeito deles e sei que tomam partido do melhor da vida.
É isso que levo como exemplo e quero para mim, ao meu jeito, quero a dança de uma vida, quero dançar as vezes que forem necessárias, ao som das mais belas canções, sob os mais imponentes cenários e sim, hei-de morrer de amor, aliás morro de amor pela vida, porque esta ao menos é garantida.

Se acredito ou não no destino, não sei.
Acredito naquilo que sou e não me tenho desiludido.

2 comentários:

Anónimo disse...

Um texto com tanto sentimento e tão pessoal e ao mesmo tempo um texto que retrata a história de vida de tantos dos nossos pais e as nossas opiniões sobre este embróglio tão admirável que é o amor. É este o poder das tuas palavras minha querida.

Adoro-te*

Raquel Costa disse...

zé- fico feliz por saber que transmiti a mensagem...
as saudades apertam, grande beijo
*